Na sua primeira exposição na Galeria das Salgadeiras, Teresa Gonçalves Lobo apresenta uma série de desenhos a tinta-da-china, todos eles recentes na sua produção artística que se iniciou em 2004 e que se tem vindo a assumir com grande coerência e maturidade. No desenho, na pintura — por vezes numa fronteira bastante ténue no trabalho da artista —, e mesmo na gravura, a ponta seca, usando mecanismos de acção directa, encontramos esse protagonismo do traço. Não será por mero acaso que em inúmeras das suas exposições este substantivo, traço, dá nome às mesmas, recuperando o seu sentido mais literal e, de maneira mais abstracta ou concreta, designar a própria “essência”. Desta feita, o traço ou a linha, tornaram-se livres, leves e delicados, e, numa espécie de “cada um sabe com as linhas que se cose”, juntaram-se nesta série de desenhos a tinta-da-china que constroem uma nova linguagem, algures entre a caligrafia e o pictórico. Cada desenho representa um signo, ora ordenado, ora num caos, sempre em equilíbrio, como a libelinha. Encontramos nesta exposição, como em muitas outras, e daí vem essa “coerência autoral” que se reconhece no trabalho de Teresa Gonçalves Lobo, relações muito fortes e, porventura, até viscerais com a Música ou a Poesia — artes supremas e de extraordinária delicadeza — bem como a Caligrafia. É como se todos os sentidos que temos fossem convidados para lermos estas obras. Será mesmo este o verbo “ler” ou será “ver”? Não é uma mera questão semântica, antes, sim, de natureza formal. É este o território que Teresa Gonçalves Lobo criou para e em si mesma: a linha e sua infinitude. Como dizia H., o protagonista de Manual de Pintura e Caligrafia (José Saramago, 1977): “estas linhas podem prolongar- se infinitamente, alinhando parcelas de uma soma que nunca será começada, mas que é, nesse alinhamento, já trabalho perfeito, já obra definitiva porque conhecida. É sobretudo a ideia do prolongamento infinito que me fascina.”
Estas leves linhas poderão significar, ademais do seu cariz estético e pictórico, uma circunstância, uma emoção ou pensamento, criadas ao som de uma pauta imaginária que começa por existir na “essência”, para não chamar alma, de Teresa Gonçalves Lobo, e que chega até nós para que as cosamos com as linhas que são a nossa vida e as nossas memórias. Oiçamos a música, leiamos as estrofes que por aqui pairam, percamo-nos ou encontremo-nos, mas sigamos o movimento, a energia, a vontade destas linhas. No princípio era o verbo… Ou seria o traço?
Maio de 2014
(Ana Matos escreve de acordo com a antiga ortografia)