Quem acompanha o trabalho de Teresa Gonçalves Lobo sabe que este se faz de linhas, de voltas e curvas, de riscos entrelaçados e emaranhados de traços. É das intersecções destes riscos que vive a tensão de cada um dos desenhos de Teresa. De uma linha que está viva e se prende a outras, de pontos de passagem de energia e outros de condensação da mesma ou onde ela se estrangula. Os nós das linhas de Teresa prendem a vitalidade de cada trabalho. Criam pausas no fluir das linhas e ritmos geradores de dinâmicas. Por isso, qual é a surpresa de, depois de anos de desenvolvimento destas “fibras”, a Teresa ter chegado às cordas, aos fios, aos nós? Numa palavra: evolução. E é de evolução lenta e aturada que se faz o seu percurso desde que a artista resolveu passar a sua existência para um plano visual.

A diversificação de materiais e técnicas nesta exposição não é também uma novidade na carreira de Teresa Gonçalves Lobo. Desde sempre que a artista explorou a fotografia, embora não a tenha vindo a expor e quanto à escultura ou instalação, estas seguem também a linha coerente de outras exposições anteriores. Mas é, no entanto, interessante, reparar que desta vez é como se os desenhos de Teresa ganhassem corpo e as linhas se transformassem em cordas. Uma objetualização inevitável, pois a sugestão de tal movimento já se adivinhava há muito. Mas no trabalho de Teresa as coisas acontecem quando têm de acontecer. Não são planos, são inevitabilidades ou evidências.

É notável verificar como a artista é capaz de se abandonar às forças imprevisíveis do seu trabalho. Como ela se deixasse governar pela vida intrínseca de algo a que ela própria deu vida. Teresa ouve as suas obras e segue o

caminho que elas sussurram. E isto só é possível através de uma passividade atenta. De um sentido desperto, de uma confiança em si e na sua obra. Só assim é que vemos uma artista como ela que não prevê futuros mas segue confiante os passos que a obra dá nas suas mãos. Foi assim que uma corda pendurada virou poesia. Foi assim que as folhas de papel se tornaram novelos. Foi assim que de uma mão que desenha linhas se passou à imagem de uma apropriação da mão pelas mesmas linhas.

O lado objetual do trabalho de Teresa Gonçalves Lobo concretiza-se especialmente nestas obras em que o cordel se transforma em traço ora angular e geometrizante ora curvo e solto. O jogo e interação entre desenho e linha tridimensional sobreposta cria uma obra híbrida que é pictórica e simultaneamente escultórica. Quase no domínio da antipintura, esta série relaciona-se indiretamente com algumas obras de Helena Almeida.

Entre nós. Entre nós há uma corda. Entre nós há uma linha. Entre cada paragem há um caminho. De passo a passo há movimento. E sem um não há o outro. Se há um nó é porque já existia corda. O nó, culturalmente entendido nas formas mais negativas, não tem de ser assim. Um nó é um desafio. Um nó é uma etapa. Um nó é uma ligação, uma paragem, uma passagem. Um ritual e um problema. O que vem a seguir nem sempre é diferente, mas é dessas quebras de ritmos, de diferentes intensidades, de fluxos nem sempre constantes e de engrenagens que se faz a vida das obras de Teresa. Trata-se de um vaivém, uma corda sobre a qual se viaja entre um território e outro. Ilha e continente…

 

Novembro de 2016

Texto de catálogo da exposição “ENTRE NÓS,  Galeria das Salgadeiras em Lisboa e no Atelier TERESA GONÇALVES LOBO (no Funchal) em 2016/17