É bem conhecida a frase de Picasso: “ Não procuro, encontro”.
Entre nós, António Lobo Antunes numa entrevista sobre o seu último livro “Não é Meia Noite Quem Quer” no qual , pela primeira vez o protagonista é do sexo feminino, diz: ”Esta voz de mulher eu não conhecia, apareceu”.
Com Teresa Lobo acontece fenómeno semelhante, pois que quando começa um quadro nunca sabe como ele vai acabar. Poder de imaginação inconsciente, de trabalho espontâneo, quais gestos soltos que espalham sementes na terra fecunda. Não admira portanto, ter dado a esta mostra o título “Dei por mim a brincar”.
Desde sempre o preto e o vermelho são as cores usadas. Em fases anteriores por vezes uma delas constitui o fundo para a outra espraiar linha, traços inusitados de grande liberdade. Recordo também exemplos em que sobre fundo branco linhas pretas saem do quadro em várias direcções como que buscando lonjuras, quiçá o infinito.
A presente exposição com cerca de sessenta obras de pequeno formato consta de desenhos, o seu modo de expressão favorito e base de toda a arte visual, pode e deve ser contemplada por grupos mais ou menos distintos.
Comecemos por uma gravura traçada a negro forte que lembra um ninho, fetiche da autora influenciada pelos anos da infância na ilha da Madeira onde pássaros irrequietos tanto a encantavam.
Bastante curiosos os desenhos de múltiplos finos riscos paralelos recortados abruptamente para darem lugar a figuras esotéricas. Algumas obras sugerem searas em acalmia ou, pelo menos uma, batida pelo vento. E ainda em molhos ou feixes depois da colheita.
Inúmeras leituras são oferecidas ao espectador. Pela nossa parte realçamos imagens de montes, de um paúl onde a água se adivinha, de folhas ou agulhas de pinheiro a caírem para se converterem em caruma. Vimes esparsos ou entrelaçados à moda da Madeira. Merecem referencia os desenhos ovais, tipo coroa ou grinalda.
Estrelas agrupadas em pequenas constelações. Umas etéreas, mais leves e mais altas, outras mais cheias contendo ninhos onde se adivinha o princípio e o fim – a vida de cada estrela desde o nascimento até à morte. Neste conjunto não existe fronteira entre o desenho e a pintura.
Uma dúzia de trabalhos a traço grosso parecem-nos objectos manejáveis denotando grande variedade gestual, ora contida, ora ondulante, até se juntarem originando sombreado. Dois, porém, de rara beleza, fogem a qualquer identificação.
Segundo a óptica descritiva, estamos perante uma obra de carácter panteísta à qual o sonho e a música não são alheios.
Mas será que caímos na tentação de tornar figurativo o que é verdadeiramente abstracto? Aceitando qualquer destas hipóteses uma certeza se impõe. Trata-se de uma importante criação. Criação pura.
Novembro de 2012
Texto de catálogo da exposição “ dei por mim a brincar ”, Museu da Água de Coimbra em 2012 / 2013