Não têm tempo e têm todo o tempo do mundo. Os desenhos pinturas sons ascendentes.

Bar dos Artistas da Casa da Música, no Porto. Teresa Gonçalves Lobo mostra um catálogo de uma das suas exposições – «Parte de Mim» no Mudas – e diz que só ao vivo se consegue perceber a dimensão do seu trabalho. São traços primeiro e são olhados em silêncio com o barulho de todos os músicos de um intervalo da Orquestra Sinfónica Casa da Música… e com o barulho de todos os que vão ao edifício de Rem Koolhaas para um café, reuniões ou uma manhã de trabalho antes de subir à Digitópia. Tanto som para falar de uma pintora? “Sons da Praia”, no refúgio do Porto Santo é a combinação mais provável de um encontro que só acontece aqui por um acaso entre … oficialmente entre a TKNT e sua nova co produtora… Teresa Gonçalves Lobo. Quem é? Ela é tinta-da-china, papel muito frágil rasgado a grafite ou carvão, erotismo, quadros que podem ser vistos ao contrário como o que descreve sobre si. Ora coisas celestiais de cor ora a excitação. Ela é quem fica na praia, ouve os sons e deixa-se levar. Parece muito chliché, sim… parece (deixar-se levar e a questão do subconsciente), mas a forma despretensiosa como fala da sua própria obra, achando-a musical e sempre de traço ascendente… a forma poética ligada à emoção com que se admira sem ser exibicionista desmonta qualquer cliché. Porque só olhamos os traços e acreditem… o barulho desaparece. Claramente para a ouvir ao vivo. Teresa e o silêncio. Muitos já usaram a poesia visual para se abordarem a obra da madeirense que vive e trabalha em Lisboa.

 

Se não fosse despretensiosa não falaria sequer das saudades que tem da ilha da Madeira e de quando era guia turística. Só numa espécie de outra vida sem mágoa da primeira ou ressabiamento ela, Teresa Gonçalves Lobo, fala dos primeiros tempos na Ar.Co e do sonho que ainda tem de expor no MoMA.

  • Sério?
  • – Se é para sonhar não vou sonhar no rés do chã

«Sons da Praia 2005» e um traço horizontal a desviar-se da tranquilidade dos outros, dos sons dascrianças, dos cães a passar, das vozes… um avião… o traço é um avião. Que carga leva o avião? Mas que carga transporta o registo? Mais do que a abstracção temos connosco o poder da imaginação e de querermos que um quadro seja um electrocardiograma ou uma bactéria ao microscópio, uma montanha ou uma série de afluentes para o mar. Se sabemos que um avião passa, que a praia ali existe em 2005 com crianças e cães, se sabemos que é em Porto Santo, então sabemos muito e construímos nós a narrativa do traço, recordemos, sempre ascendente. Levemos o tempo todo do mundo, porque estes traços têm data de tempo para registo mas têm o tempo todo… esse tempo todo.

 

Chora ao ouvir uma nota de violino, chora a ver um quadro, espanta-se em Lisboa no início da viragem do século, quando recusam atender um filho no centro de saúde: “é só para portugueses”. Bem… ela sempre achou que Madeira era Portugal mas… e acaba para deixar o quotidiano de coisas banais e mundanas entre políticas e territórios que não os da arte. Estende-se nas telas e preencher todo o espaço, pinturas de cerca de dois metros, pormenoriza-se no fazer dos diminutos pontos e mais diminutos até chegar às formas que parecem células e que começam numa fase em que não consegue sair da cama por doença e… tudo o que traça e pinta com i como os i que são pessoas, consequentemente atracados numa ideia que se forma numa cadeira para a Fundação Espírito Santo. Como se fosse terra depois de um mar de muitos i. Uma bola e um traço.

 

A propósito, o Mestre Marceneiro Luciano Silveira: “Em nenhum momento considerámos a hipótese deste objecto não ter execução possível”. Design, decoração… da poesia visual ao desenho, da pintura à gravura, da gravura à escultura… E…

 

Ver os trabalhos ao vivo e vê-la ao vivo também a olhar-se nos trabalhos, o quão pouco tranquila estaria pela força ou grossura do traço “naquela altura”. Explica-se. Como se os remoinhos dos “abraça-me” possam terminar num texto de catálogo que se pode ler de cima para baixo ou de baixo para cima. Prefiramos o ascendente, podemos sempre subverter. Assim nasce o desenho, assim que a pintora se desliga. Teresa Gonçalves Lobo, entretanto a desenhar árvores de pestanas. É o que dá não ter títulos… permitir estas elucubrações.

 

 

 

 

 

04.01.16